Em virtude da denúncia publicada pela Folha de São Paulo, informando que a campanha do candidato Jair Bolsonaro estaria utilizando diversas práticas ilegais para chegar vitorioso, em prejuízo do candidato Fernando Haddad e seus eleitores, no último dia 21 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral concedeu comunicação coletiva a imprensa - TSE, e duas afirmações feitas naquela oportunidade me chamaram atenção e muito me preocuparam.
A denúncia da Folha de São Paulo informou sobre práticas na utilização do WhatsApp suportadas financeiramente por grupo de empresários, para disparo de mensagens com o objetivos de denegrir a imagem e ofender a honra do candidato Fernando Haddad e sua vice Manoela D'Ávila.
Matéria publicada em 25 de outubro trás notícia a respeito de estudo realizado pela UERJ e INTC sobre o uso do WhatsApp e seu peso em benefício da campanha de Bolsonaro. Isso revela o comprometimento do processo de formação de opinião para voto no Brasil e explica o resultado artificial das eleições para o Congresso Nacional.
A Ministra Rosa Weber e a desinformação A primeira, a fala da Ministra Rosa Weber, que pode ser verificada acessando o link acima (a partir da 1:39 h), no sentido de que desinformação é um processo que não pode ser interrompido e que por isso o TSE não poderia resolver o problema. A afirmação é grave e desalenta, pois não pretendo e nem acredito que seja possível impedir a desinformação, como aliás já disse em post anterior - Eleições 2018 e Internet – As ameaças à liberdade de expressão.
Entretanto, as práticas ilegais que levam a desinformação em massa podem e devem ser impedidas. Afirmo isto com base nos seguintes dispositivos da Lei 9.504/1997 – a Lei Eleitoral. Vejam:
Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na Internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de Internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país E APENAS COM O FIM DE PROMOVER OU BENEFICIAR CANDIDATOS OU SUAS AGREMIAÇÕES.
Art. 57-E. São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização, doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de candidatos, partidos ou coligações.
§ 1º É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.
Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na Internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.
§ 1º Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
§ 2º Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1º.
Ou seja, há na lei eleitoral ferramentas suficientes para impedir o uso ilegal das redes que possam ter como efeitos o desequilíbrio do processo eleitoral e a desestabilização das instituições democráticas no Brasil.
O Ministério Público Eleitoral e a proteção de dados pessoais A outra afirmação que muito me assustou foi a do representante do Ministério Público Eleitoral – Dr. Humberto Jacques, no sentido de que essas eleições correram de forma serena e que o alegado uso abusivo de dados pessoais pela campanha do candidato Jair Bolsonaro não demandaria “tutela”, na medida em que os usuários de plataformas espontaneamente abrem seus dados (a partir da 1:49 h) e que devemos ser “responsáveis quando nos expomos em demasia nas redes sociais”.
Ora, quando abrimos nossos dados no Facebook, por exemplo, não sabemos que tudo ficará público e, mais, não o fazemos sabendo que haverá o uso indevido de dados que não estão públicos e são pescados de forma ilícita por empresas de marketing eleitoral, com vistas a nos manipular, atentando contra princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana, direito a privacidade e intimidade, e contra garantias expressas no Marco Civil da Internet no art. 7º, que tratam dos nossos dados pessoais. Isso sem esquecer que acabamos de aprovar nossa Lei Geral de Dados Pessoais – Lei 13.709/2018, que estará em vigor a partir de janeiro de 2020.
Vale assistir vídeo disponibilizado pelo The Intercept mostrando como nossos dados são usados de forma abusiva e claramente contra o que dispõe a Lei Eleitoral.
Enfim, se o TSE e o MPE continuarem com essa “neutralidade”, os direitos políticos e a democracia no Brasil estarão correndo riscos efetivos, como estamos enfrentando agora.
Aproveito para deixar aqui o link de entrevista que dei a TVT sobre esse assunto: https://www.youtube.com/watch?v=LkwwpHUiPoA